Neste primeiro post de 2012, gostaríamos de recuperar parte do que foi abordado em “Um olho no amanhã, outro no presente”, post que fecha o segundo ano do Diário da Lixolândia. Vamos falar da complicada relação entre o fenômeno do transporte e cidadania, crescimento e desenvolvimento econômico e social, veículos, vias e trânsito em Seropédica. Relação que traz em seu bojo os sonhos e a agonia da debutante Seropédica, que acaba de completar 15 anos de idade.
Seropédica respira a expectativa e sonho de receber uma montadora de automóvel. A notícia consta da publicidade governamental como trunfo para consolidação do Rio de Janeiro como Polo Automotivo. A cidade entra na rota dos booms extemporâneos de crescimento econômico que transformam radicalmente a paisagem de uma região. A experiência brasileira mostra que esses booms ocorrem sem que sejam tomados os devidos cuidados para que haja desenvolvimento. A CSA é o exemplo mais próximo que temos. As chances de que ocorram os mesmos problemas aqui são altíssimas. Implantar colossos industriais ou de outros tipos sem que sejam feitas as devidas considerações com relação aos aspectos ambientais, sociais, culturais e econômicos é marca registrada do Brasil e do Rio de Janeiro. Transformar a realidade "à toque de caixa" é algo feito sem pudor por aqui, basta ver a implantação do aterro em Seropédica. A conseqüência é que a distância entre sonho e pesadelo é diminuída drasticamente, embora para os arautos do desenvolvimentismo, os fins justificam os meios.
Do ponto de vista da sensatez e da responsabilidade, inserir Seropédica na paisagem da economia automotiva brasileira exige mais que algumas canetadas de políticos oportunistas. É preciso pensar em infra-estrutura, externalidades ambientais, planejamento de transporte e uso do solo e planejamento para que os moradores da cidade (ou região) possam ser inseridos em outros cargos que não os de menor qualificação e baixos proventos. A CSA é um excelente exemplo para análise. Além dos problemas ambientais, boa parte de seus trabalhadores vem de Volta Redonda e tinham experiência anterior em siderurgia. E vem de ônibus: ela não se assentou na região, não gerou as externalidades econômicas positivas que poderiam gerar.
Certamente isso vai acontecer em Seropédica, pois:
- não tem moradores qualificados e em quantidade para concorrer a quadros mais técnicos e melhor remunerados na produção de automóveis;
- A cidade apresenta um dos piores leques de opção de serviços de educação, saúde, gastronomia, lazer, cultura e compras apesar de ter a UFRRJ e a Flona Mario Xavier;
- a proximidade com Porto Real, onde já tem montadora de automóvel, facilita a atração de mão-de-obra;
- não temos instaladas aqui ou próximas daqui as entidades que provêem qualificação de pessoas no fabrico de automóveis.
É um sonho importante, sem dúvida alguma. Mas pode ser feito com um pouco de sensatez e responsabilidade, para que toda potencialidade positiva possa ser explorada, transformando de vez essa paisagem desoladora de Seropédica. Do contrário, a mão-de-obra virá de Porto Real, Resende, Barra Mansa, Volta Redonda, São Paulo ou Paraná. E não há porque morar em Seropédica sendo esta uma cidade sem muito a oferecer para se ter qualidade de vida.
Se cuidados não forem tomados, os Seropedicenses não vão desfrutar do que é bom e ficarão com o que há de ruim, que irá somar-se a tudo de ruim que temos por ser uma cidade dormitório, sem planejamento urbano e que cresce a beira da estrada. Por exemplo, voltemos ao trânsito na cidade, uma das coisas mais angustiantes para os que moram: como ficaria o trânsito se houvesse o incremento diário de, digamos, mais um milhar de carros, motos, caminhões e ônibus de empresas transportando trabalhadores? Um milhar é o potencial objetivo, ainda que não medido, se houver um empreendimento desses sendo instalado. E estamos falando do trânsito local, isto é, das vias que não a Rodovia, esta que aqui opera como se fosse uma simples via para realizar qualquer tipo de deslocamento.
Se visualizarmos como a Rodovia Rio - São Paulo ficaria, o problema toma proporções maiores. O trânsito há de aumentar significativamente, piorando os congestionamentos observados nos horários de pico e o teatro de horrores que temos a qualquer hora do dia nas travessias que são feitas de um lado para o outro do km 54 ao 39. Acidentes aumentariam, bem como o stress por estar exposto a situações de extremo risco. Outro impacto importante: boa parte da população da cidade depende dos ônibus para ir ao Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, Paracambi, Piraí e Itaguaí, e ela veria aumentar significativamente o tempo de viagem.
Deve ser somado o impasse em relação ao acesso ao Arco Rodoviário. Até o presente momento, não temos o menor sinal de que poderemos acessá-lo e que, enfim, fugiremos do pedágio da Nova Dutra ou de trafegar pelo Piranema. O Arco, e o acesso a ele, podem significar um repensar da cidade Seropédica. Se tivermos acessos qualificados, poderíamos ter o trânsito derivado da construção e funcionamento da montadora passando por fora da Rod. Rio – São Paulo. Da mesma maneira, esses acessos podem ser construídos mais para perto do Sá Freire, estimulando o crescimento urbano dessas áreas e o assentamento de novos centros econômicos que não a beira da Rod. Rio - São Paulo.
Poderíamos dizer que temos a UFRRJ para contar com apoio. Tem potencial para ajudar, mas não se planeja para tanto. Quais são os recursos-chave da UFRRJ para ensino, pesquisa e extensão na indústria automobilística? Sequer buscou um curso de Logística ou Engenharia da Produção em sua expansão recente, apesar da região tornar-se o polo industrial e logístico do Rio de Janeiro! Outro ponto: ano de eleição para reitor. Se quando não tem eleição a UFRRJ é toda voltada para a própria realidade e parece alheia ao entorno, por que ela mudaria em ano de eleição? E este ano é chave para o futuro de Seropédica se ela for escolhida para receber a montadora.
Como vemos, transporte é um tema que envolve Seropédica de maneira significativa. Ele oferece excelentes exemplos para observar a dinâmica existente no caminho entre o sonho e a agonia. A montadora produz automóvel. Nós vivemos o dia-a-dia de uma cidade marcada pelo abandono governamental local e estadual e como o fenômeno do transporte explica a condição em que vivemos.
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