sexta-feira, 23 de março de 2012

Dos sonhos e da agonia de uma debutante (Parte II)

O fenômeno do transporte é um excelente marcador social, cultural e econômico para tratar da agonia de Seropédica. Em outros posts essa realidade foi pontuada a partir da dependência da cidade pelo padrão de ocupação à beira da Rodovia Rio-São Paulo. Afirmamos que esse padrão de uso do solo é completamente equivocado e com grandes reflexos na vida dos cidadãos.

 

Essa realidade acarreta sérios problemas para a população, sendo os riscos de acidente, estresse e concentração de renda os mais visíveis. A concentração de renda significa que tem maior valor econômico às propriedades mais próximas às porções da beira da rodovia que são ocupadas por atividades econômicas e residenciais.

 

Transporte e uso do solo são duas áreas negligenciadas pela prefeitura de Seropédica, que certamente não dispõe de mão-obra e demais recursos para pensar a complexa interação entre o padrão de uso do solo e o sistema de transporte existente. Essa interação explica a qualidade de vida agônica observada na cidade e o que pode ser esperado para o futuro. A história ensina que os políticos daqui não demonstram interesse ou vontade para tocar no assunto: os que já passaram deixaram colégios, fórum, hospitais à beira da estrada.

 

A agonia da cidade pode ser observada na dependência que boa parte da população tem do transporte de ônibus para o Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, Itaguai, Paracambi e Piraí. O transporte é de qualidade sofrível. Para piorar, conforme cresce a ocupação à beira da Rodovia Rio-São Paulo, mais pontos são criados e mais quebra-molas são colocados. Mais pontos e mais quebra-molas implicam em aumento significativo do tempo de viagem, pois forçam mais paradas nos ônibus. Nos horários de pico esse atraso é ainda mais significativo.

 

A duração da viagem de ônibus de quem mora da UFRRJ em diante, km 47 ao km 54, é influenciada pela dinâmica da UFRRJ. Alguns ônibus entram na UFRRJ, e isso significa aumento do tempo da viagem. A UFRRJ aumenta gradativamente sua população, implicando em aumento de embarques e desembarques nos pontos em seu entorno. Sobre esses pontos, vale ressaltar que existe a possibilidade da UFRRJ solicitar a criação de mais um ponto de ônibus, especificamente à beira do CAIC, para atender aquele colégio e aos alunos que estudarão no Pavilhão de Aulas Teóricas – PAT, situado a uns 400 m metros atrás do CAIC. Dado o tamanho do prédio, que tem 48 salas de aula, é esperado que o carregamento desse ponto supere o das outras paradas na UFRRJ.


Convém ressaltar que a UFRRJ não tem qualquer programa de gestão da mobilidade em seu Campus. Desta maneira, as decisões sobre acessibilidade e mobilidade tendem a atender ao que parecer mais prático, sem que sejam considerados, de maneira global, os impactos produzidos e os riscos corridos. Por exemplo, há tempos observa-se o perigo de embarque e desembarque no ponto “Veterinária”, o que fica mais crítico com o aumento do volume de tráfego de veículos pesados, mas nada é feito. O ponto continua no mesmo lugar, dado que é mais prático para quem chega ou sai por ali, apesar dos riscos e de haver amplo e disponível conhecimento sobre gestão da mobilidade e da acessibilidade. Sobre o que é mais prático em transporte, ensina a experiência dos que passam por baixo de uma passarela: o tempo que se ganha com a praticidade é o mesmo que aproxima o beneficiado do acidente.

 

A realidade acima torna-se dramática quando consideradas as questões de crescimento desordenado entre os km 42 e 32 da rodovia. Os pontos de retenção do trânsito mais críticos estão nestas localidades. Trata-se de uma agonia compartilhada entre Seropédica e a parte de Nova Iguaçu que é cortada pela rodovia. É tudo muito semelhante: cidade a beira da rodovia, sujeira, bagunça, barulho e a forte sensação de que o local não tem poder público, que vive com as próprias regras e está entregue a própria sorte. Em outro post chamamos atenção para o fato de que a área onde ficam as casas populares do km 53 será, no futuro, o km 32 de Seropédica.


Nas ruas que margeiam ou desembocam na rodovia observam-se maiores detalhes dessa agonia inerente ao descaso com o planejamento e gestão do transporte. No km 49 foram tiradas quadras de esporte que ficavam à beira da rodovia. A área ganhou asfalto e virou um estacionamento. Qualquer veículo pode parar lá, independente do horário, tamanho, peso, carga transportada ou direção que venha. Perto dali abriu-se uma nova agência bancária. As pessoas vão parando umas atrás das outras e, para que não fiquem presas, impossibilitadas de sair, elas dependem da atenção dos que vão chegando. Se isso não acontecer, tem-se pessoas com os carros presos à espera de alguém que sabe-se lá onde está.

 

Problema semelhante ocorre perto do posto de gasolina. Perto dali tem-se banco, restaurantes, farmácias etc. As pessoas param onde querem por ali. O posto de gasolina tem que colocar fitas demarcando o seu território! Algumas vezes é difícil chegar ao posto para abastecer. Os pedestres ficam em condição perigosíssima, pois entram e saem carros e motos de todos os lados. É tudo muito semelhante: cidade a beira da rodovia, bagunça, barulho e a forte sensação de que o local não tem poder público, que vive com as próprias regras e está entregue a própria sorte.

 

Outro exemplo para analisar essa negligência com o fenômeno transporte é a instalação da loja agropecuária entre a UFRRJ e o km 49. Aquela parte da rodovia é extremamente perigosa, mesmo assim foi dado o alvará. O risco de acidente para estacionar ou sair dali é altíssimo. A tendência é que sejam colocados quebra-molas ali, respondendo aos acidentes que certamente vão acontecer. Colocados os quebra-molas, aumenta automaticamente o tempo de viagem para aqueles que pegam ônibus para o Rio de Janeiro, Campo Grande, Itaguaí e Nova Iguaçu.

 

O Diário da Lixolândia não é contra a atividade econômica, apenas entendemos que não é ela quem tem que definir como vivemos. São os requisitos da segurança, qualidade de vida, cidadania e preservação ambiental quem tem que definir como a atividade econômica pode ser. É meio idealista a proposição anterior, mas existe conhecimento técnico e científico suficiente para garantir atividade econômica e condições sociais menos agônicas. É possível conciliar tempo e aplicação de conhecimento na construção da realidade, basta legitimar o papel do planejamento. Quando tempo e aplicação de conhecimento não se encontram para produzir a realidade que dignifica o cidadão, sobressai a agonia que o humilha. 



Vale para a debutante Seropédica: o tempo que se ganha com a praticidade e o pragmatismo -  como observado na instalação do Aterro de Lixo - é o mesmo que aproxima a "beneficiada" de um futuro acidentado. Peguemos a experiência de quem tem duas passarelas que não são respeitadas para pensar o nosso futuro e para pensar sobre a chegada de uma montadora.

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