segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Cidade da Itália não quer virar Lixolândia

Embora haja detalhes para diferenciar as situações, a Itália apresenta um município em pleno conflito para não virar a Lixolândia de lá, recebendo o que pode ser o maior aterro sanitário da Europa. Um dos detalhes: há suspeitas de que os conflitos sejam provocados pela máfia local, que tem interesses econômicos relacionados à coleta de lixo. Tirando esse detalhe, vê-se uma mórbida semelhança entre Terzigno e Seropédica, as duas Lixolândias.
A mídia mostra que o caos está instalado na Itália desde 2008, e que o problema do lixo vem se arrastando há 15 anos. Tem lixo que vai para a Alemanha de navio! Ainda assim, vale à pena comentar, por a frente essa questão, pois ela mostra bem o padrão de relações estabelecidas em torno do lixo: interesses econômicos em torno do lixo misturam-se aos interesses políticos, e tudo isso acontece de maneira bem obscura, oportunista e imoral, logicamente. Lá os ânimos estão alterados.
A população de Terzigno, município da região de Nápoles, está em confronto com as forças de ordem, em protestos contra um novo aterro sanitário. Caminhões são queimados, lojas depredadas, um caos total. As razões e interesses envolvidos ainda não estão bem esclarecidos, mas a instalação do que pode ser o maior aterro da Europa enfrenta forte oposição, num episódio que envolve até os membros do governo italiano.
Para reforçar, embora famosa, Nápoles é uma cidade rica,  reconhecida pelas pizzas, mas fica numa das regiões mais pobres e violentas da Itália. Parece ser difícil que lá acabe em pizza esses conflitos, como está acontecendo aqui em Seropédica. Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano, terá pela frente os interesses da Camorra, poderosa máfia napolitana, donas de lixões. A diferença é que aqui a pizza vai ser comida nas cidades do Rio e de São Paulo, cidade sede da empresa líder do CTO, e os dejetos, evidentemente, vem para Seropédica.
Além do emaranhado de suspeitos e estranhos interesses por trás do lixo, convém que também prestemos atenção no que o governo italiano quer fazer para compensar o grande aterro: “criação de um fundo de 14 milhões de euros (R$ 33 milhões) para obras de compensação ambiental na região. O plano é de recuperações, instalações hídricas e de esgoto, além de renovação urbana”.
Por que fundo de compensação? Porque ter um aterro sanitário é uma roubada, da qual a cidade do Rio de Janeiro quer se livrar, e que estão querendo impor para Seropédica. Não temos que ser a lixeira da cidade maravilhosa. Eles ficam na boa, consomem, fazem a festa. Aqui ficarão o mal cheiro, os urubus, o risco de acidente ambiental, a desvalorização imobiliária, o transito caótico das centenas de caminhões, a desordem urbana que cerca os aterros e o emprego desqualificado.
Também importante: a região italiana é tida como a mais pobre, e por essa razão foi escolhida para receber o aterro. Seropédica está perto do Porto de Sepetiba. Duas lixolândias, alguns traços de mórbida semelhança.

www.spiegel.de/international/europe/0,1518,681469,00.html

domingo, 24 de outubro de 2010

A Lixolândia vai repetir o Km 32

Não só dos problemas de ser a Lixolândia viverão os moradores de Seropédica. Crescer a beira da rodovia Rio-São Paulo, outro grande transtorno para os moradores, diariamente expostos aos riscos de transitar a beira da rodovia, vai piorar.

Trata-se de outro presente de grego que o ex-prefeito e a câmara de vereadores dão para Seropédica: será assentado na altura do km 53, a beira da rodovia, um conjunto de casas populares. Não pelas casas ou pelas pessoas que viverão lá, mas pelo local onde elas ficarão. Conhecendo bem a competência da prefeitura, pode-se prever o que vai acontecer ali em pouco tempo: moradores precisarão pegar ônibus na beira da estrada e quem tem carro precisará entrar e sair: terão que enfrentar os riscos de cruzar a rodovia; logo aparecerão lojas e outros negócios a beira da rodovia, fazendo com que moradores tenham que cruzar a estrada; as construções não seguirão qualquer padrão funcional ou estético; caminhões e carros vão parar em qualquer lugar; os moradores vão aumentar suas casas sem qualquer planejamento etc.

O resultado disso tudo é vivido todos os dias por quem passa pelo Km 32: transtorno; desordem; poluição ambiental, visual e sonora; incidentes, acidentes e aumento da percepção de insegurança, viagem mais demorada. Todos eles marcadores expressivos de baixa qualidade de vida. Quem passa pelo Km 32, além de apreensão, carrega uma velada sensação de que o que é ruim pode piorar, pois ano após ano a situação se agrava. A tendencia é que o km 53 repita o km 32. Para onde irá o esgoto daquele novo bairro? (Alias, para onde vai o esgoto da Lixolândia?). Onde ficam o colégio e o posto de saúde que atenderão os novos moradores? Onde está o planejamento? Seropédica não merecia mais esse presente de grego nem os moradores que lá irão habitar. Mas o que é ruim pode piorar.

Os moradores de Seropédica já conhecem bem tais problemas. São dependentes dos serviços e atrações de Nova Iguaçú, Paracambi, Campo Grande, Itaguaí, Barra da Tijuca e centro do Rio de Janeiro, e o tempo de viagem até esses lugares é cada vez maior.  Quem vai de carro sofre menos do que aqueles que pegam o ônibus. A viagem para Campo Grande, insegura e desconfortável, deixa o morador de Seropédica exausto antes de chegar ao trabalho, lazer, escola ou médico. É um massacre. Quem vai para Paracambi já sofre com o pedágio, agora vai sofrer com os mesmos problemas de quem vai para Campo Grande.

Está na hora de aprender: Seropédica tem que parar de crescer a beira da rodovia. Esta tem que servir para alçarmos outras cidades, não como via de ligação entre bairros. Não tem que ter bancos, fórum, hospital e comércio a beira da rodovia. Os km 54 e 49 já deviam estar ligados por uma via planejada, ampla e segura, perto da qual poderia ter sido colocado esse novo conjunto habitacional. Essa via, bem menos movimentada, ofereceria mais segurança para moradores e transeuntes. Os demais moradores desses bairros certamente estariam mais orgulhosos da sua cidade e experimentando uma real sensação de viver numa cidade de verdade.

Se nada for feito, só o lixo da cidade do Rio de Janeiro terá motivos para sorrir e se orgulhar de viver na Lixolândia. Importante: para o lixo, tem planejamento. E para nós? 


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Entre o sonho e a realidade.

“Viver Seropédica” torna-se, ano após ano, algo muito difícil. Algo bem distante dos sonhos e ideais que nos embalaram anos atrás para buscar uma emancipação e ver confirmado o seu potencial para o desenvolvimento. É fato: muito do que sonhávamos que seria bom para nós se nos emancipássemos de Itaguaí não suportou o encontro com a realidade. Algumas questões viraram pesadelo.

Vejamos dois exemplos: desenvolvimento e configuração de uma cidade. Acreditávamos que, uma vez emancipados, a realidade social e econômica melhoraria, isto é, veríamos novos negócios (indústrias e serviços) aparecendo e, automaticamente, o padrão de renda da população melhoraria. Fato objetivo: não conseguimos vencer o estigma de cidadezinha que cresce a beira da estrada. Tudo ainda acontece à beira da Rodovia Rio-São Paulo: Banco, Fórum, Hospital, Subprefeitura etc. Economicamente falando, seremos conhecidos por mandar areia e por receber o lixo dos outros.

E o desenvolvimento da promissora cidade, cortada por rodovias e ferrovia? Cidade que tem uma grande universidade federal. O desenvolvimento ainda não veio e corre o risco de não vir. Ter índices logísticos bons não significa que o crescimento ocorrerá. Pois entre o sonho e a realidade deveria residir a vontade política, competência técnica e boa fé (envergadura moral) de quem nos governam e legislam.

No caso de Seropédica, os três itens anteriores apresentam resultado sofrível, lastimável. Sugere isso a obscura implantação do aterro sanitário (CTR). Para estar aqui tal aterro contou com a contribuição do poder público, precisou de aquiescência e assinaturas de alguns vereadores, secretários municipais e do prefeito, algo que ocorreu a revelia do interesse da população e sob condições que não são divulgadas com transparência.

Chega a ser irônico ver o que o potencial logístico (ter muitas estradas) materializa para nós: somos uma cidade que envia areia para todo o Rio de Janeiro e que logo receberá o lixo de grandes cidades ao redor.

A areia de Seropédica alimenta uma cadeia produtiva que vai agregar valor econômico para outros. Item barato (não renovável), sem muito valor agregado, a areia ajuda a transformar o panorama de outras cidades, que ficam com a riqueza construída. Por exemplo, a Barra da Tijuca, onde o metro quadrado é um dos mais caros do Rio de Janeiro. Nós ficamos com os buracos dos areais. Seropédica receberá o lixo dos outros, o subproduto indesejável do consumo das outras cidades. É fácil ver o problema: qual o índice de conhecimento, emprego e riqueza que essas atividades econômicas (lixo e areia) geram para nós? O que sobrará para Seropédica?

Uma vez que o poder público faz a estranha opção por deixar um aterro sanitário desse porte vir para cá, ao invés de lutar por algo melhor, convém lembrar da contribuição de Zeca Pagodinho para pensarmos bem sobre o que reside entre o sonho e a realidade para Seropédica. (escrito em Fevereiro de 2010)

“Fui no pagode
Acabou a comida
Acabou a bebida
Acabou a canja
Sobrou pra mim
O bagaço da laranja
Sobrou pra mim
O bagaço da laranja”

Bagaço da Laranja/ Composição: Arlindo Cruz/ Zeca Pagodinho

terça-feira, 19 de outubro de 2010

De Seropédica a Lixolândia

Com apenas uma canetada, o ex-prefeito Darci dos Anjos deu início ao processo de transformação de Seropédica em Lixolândia. Assinar o alvará que libera o funcionamento do novo Centro de Tratamento de Resíduos (CTR), que abrigará  principalmente o lixo da Cidade do Rio, faz com que Seropédica passe a ser mais conhecida por ter este empreendimento que ninguem mais quis. Seropédica será a cidade do lixo feliz, pois ninguem queria receber esse presente de grego. Assim, Seropédica vira a "Lixolândia, lugar de lixo feliz!"

Para não perder a oportunidade histórica, o Diário da Lixolândia atuará como testemunha desse significativo processo de transformação do destino de uma cidade. Traremos material relevante da dinâmica desse  verdadeiro espetáculo, fruto de um muito esquisito caso de altruísmo. Isso porque é bem conhecido o fato de que  o que é bom, uma vez disponível , nunca chega a Seropédica, pois outros municípios saem na frente e gritam: "tá na mão!".

Está no site www.uol.com, dicionário:
altruísmo
      sm (fr altruisme) Amor ao próximo; abnegação, filantropia. Antôn: egoísmo.
 O Diário da Lixolândia acompanhará esse nobre ato de altruímo da cidade de Seropédica, esta oportuna dedicação desinteressada de Seropédica pelo lixo da Cidade do Rio de Janeiro.

24/08/2010


Outra canetada. Pena que não é a derradeira.

O prefeito Martinazzo deu a canetada suspendendo as obras do CTR. Suspendendo, mas não impedindo, barrrando, dando fim a conversa. Sob os argumentos de que detalhes ambientais precisavam ser equacionados, ele justificou que o projeto deveria ser revisto. Sabe-se que ele estava pressionado pela paixão dos moradores, muitos dos quais aderiram fielmente a sua candidatura a prefeito de Seropédica e que acompanharam com muito interesse e paixão a luta que transcorreu no âmbito jurídico. Aliás, demorou a se manifestar o prefeito.

Infelizmente ele não tocou no aspecto moral. O que é uma pena, pois Martinazzo tem um passado a defender, coisa que o ex-prefeito nunca fez questão de demostrar. Martinazzo foi aluno de graduação e pós-graduação em uma área fundamental para a preservação do meio-ambiente: agricultura. Ele teve informação técnica suficiente para ter uma posição mais firme com relação ao risco de se degradar um aquífero. Mais do que isso: quando apareceu para o cenário social e político de Itaguaí, ele era o político de Seropédica, então segundo distrito, que defendia uma mudança na maneria de se fazer política na cidade. Ele questionava abertamente os aspectos morais da política na cidade; falava dos aspectos técnicos que impediam a cidade de crescer; consquistou seu espaço junto aqueles que se rebelavam contra a situação, aproveitou-se de um sentimento de oposição e ajudou a alimentá-lo. No fim dos anos 80, Martinazzo foi a cara da oposição, juntamente com o ex-vereador Dalto Apolinário.

Martinazzo tem o que defender, e não são interesses de agora, pontuais. Se quer marcar seu nome na história, basta ele preservar a própria história. Ele tem condições para dar um novo rumo a essa sinistra implantação do CTR em Seropédica, e sem temer a insatisfação dos governos do Estado e da cidade do Rio de Janeiro. Alguns falam que podemos ser retaliados. Retaliados, como assim? Em que ano estamos? Estamos na idade média? Não, estamos em um outro tempo, este que conta com o suporte da tecnologia, como essa aqui utilizada. Há meios para tornar público qualquer atitude perversa feita por um governante. Há mais transparência.

O mais importante é que não podemos acreditar que há o que Sergio Cabral e Eduardo Paes, atuais ocupantes dos cargos citados, possam oferecer a Seropédica para compensar os custos de se ter aqui o CTR, sem que antes tentássemos outra maneira de crescer e nos desenvolver econômicamente. Perdemos 14 anos com governos mal sucedidos em Seropédica. Podemos ficar mais alguns pensando num projeto consistente para o desenvolvimento de Seropédica.

Martinazzo pode ir alem do aspecto ambiental que justifica a canetada pontual dele. Ele pode fazer o que o ex-prefeito não fez: pode fazer um plebiscito. Ele pode convocar a sociedade seropedicense para discutir e dizer se quer ou não o CTR; pode chamar os profissionais da UFRuralRJ para discutir novos rumos para Seropédica. Martinazzo pode, e as pessoas acreditam que sim. Ele pode mudar a história de Seropédica, impedir que ela seja a lixolândia, lugar de lixo feliz.

Martinazzo, faça de Seropédica uma cidade de gente feliz.

Entre a paixão e o aquífero, a moral.

Entre os argumentos mais comuns para barrar a implantação do CTR em Seropédica temos a paixão de moradores e os problemas ambientais relativos ao aquífero. Não menos importante é a questão moral que o processo de implantação enseja.

A paixão dos moradores está relacionada ao fato de que eles querem outro tipo de crescimento econômico para Seropédica. Quando buscou-se a emancipação, era por atividades econômicas mais nobres que se sonhava. Muitos viam um município economicamente forte porque estaria baseado em empresas que receberiam transferência de conhecimento por parte da UFRuralRJ. A presença da universidade sempre sucitou isso. E este ainda é o melhor caminho para pensar a inserção de Seropédica no cenário regional e nacional.

A questão do aquífero está mais do que explicada. O risco de poluir essa importante fonte de recurso hídríco, por menor que seja, não deveria ser corrido sob qualquer justificativa. Era importante ter algo mais nobre que um aterro sanitário para correr tal risco. Boa parte do mundo sofre porque não tem água, e quem tem aquífero, por mais custoso que seja manuseá-lo, protege como se fosse ouro; é estratégico. Contudo, o governo do Estado do Rio de Janeiro defeca e deambula para essa questão estratégica. Sim, já que falamos de lixo, dejeto, ele defeca e deambula; e aceita os argumentos técnicos dos grupos econômicos que tem interesse no CTR. Outros argumentos não são considerados.

Mas entre a paixão e a técnica, assenta-se também a questão moral. Ela é fundamental para que o CTR não venha para cá. O processo de implantação do CTR em Seropédica está permeado de aspectos que depõem contra a decência e contra o bom senso. Primeiro, tudo aconteceu as escuras, sem que a população fosse corretamente envolvida com a vontade de um grupo econômico de aqui instalar o CTR. Culpa do então prefeito Darci dos Anjos e de alguns vereadores que mostraram-se a favor da causa. O prefeito poderia ter requisitado auxílio técnico a UFRuralRJ ou ao CREA para avaliar o pedido; poderia ter debatido abertamente na câmara, associações de moradores e de classes. Quando criou-se a famosa audiência pública no clube Seropédica, estava tudo armado. Foi tudo feito as escuras, prática moralmente indefensável.

Trazer lixo do centro para a periferia é uma prática perversa. Logo é imoral. Aceitar o CTR em Seropédica significa dizer sim a velha e perversa visão de relações entre Centro e Periferia. No centro ficam as coisas boas, na periferia as mazelas. Está na hora da cidade do Rio de Janeiro assumir os custos e desafios de cuidar do próprio lixo. Quem quer fazer apologias a "cultura do Mega", isto é, megacidades, megaeventos, etc, que dê conta do megadesafio de gerenciar os prós e contras dessa cultura. Desenvolver atividades para tratar de lixo implica em custos ambientais, econômicos e sociais que devem ser incorridos e debatidos no seio da sociedade que produz esse lixo. A cidade do Rio de Janeiro fica com a beleza do consumo, Seropédica fica com a feiura do lixo. É imoral.

Seropédica tem muitos problemas, inclusive o de ter partes da cidade que são tratadas como centros e outras que são tratadas como periferias. Temos que cuidar dos nossos problemas, não dos megaproblemas dos outros que querem continuar a desfrutar dos seus megainteresses. Temos que debater os nossos desafios, buscar soluções tecnicamente e moralmente defensáveis. Estamos na periferia, mas não devemos aceitar facilmente essa condição.