terça-feira, 19 de outubro de 2010

Entre a paixão e o aquífero, a moral.

Entre os argumentos mais comuns para barrar a implantação do CTR em Seropédica temos a paixão de moradores e os problemas ambientais relativos ao aquífero. Não menos importante é a questão moral que o processo de implantação enseja.

A paixão dos moradores está relacionada ao fato de que eles querem outro tipo de crescimento econômico para Seropédica. Quando buscou-se a emancipação, era por atividades econômicas mais nobres que se sonhava. Muitos viam um município economicamente forte porque estaria baseado em empresas que receberiam transferência de conhecimento por parte da UFRuralRJ. A presença da universidade sempre sucitou isso. E este ainda é o melhor caminho para pensar a inserção de Seropédica no cenário regional e nacional.

A questão do aquífero está mais do que explicada. O risco de poluir essa importante fonte de recurso hídríco, por menor que seja, não deveria ser corrido sob qualquer justificativa. Era importante ter algo mais nobre que um aterro sanitário para correr tal risco. Boa parte do mundo sofre porque não tem água, e quem tem aquífero, por mais custoso que seja manuseá-lo, protege como se fosse ouro; é estratégico. Contudo, o governo do Estado do Rio de Janeiro defeca e deambula para essa questão estratégica. Sim, já que falamos de lixo, dejeto, ele defeca e deambula; e aceita os argumentos técnicos dos grupos econômicos que tem interesse no CTR. Outros argumentos não são considerados.

Mas entre a paixão e a técnica, assenta-se também a questão moral. Ela é fundamental para que o CTR não venha para cá. O processo de implantação do CTR em Seropédica está permeado de aspectos que depõem contra a decência e contra o bom senso. Primeiro, tudo aconteceu as escuras, sem que a população fosse corretamente envolvida com a vontade de um grupo econômico de aqui instalar o CTR. Culpa do então prefeito Darci dos Anjos e de alguns vereadores que mostraram-se a favor da causa. O prefeito poderia ter requisitado auxílio técnico a UFRuralRJ ou ao CREA para avaliar o pedido; poderia ter debatido abertamente na câmara, associações de moradores e de classes. Quando criou-se a famosa audiência pública no clube Seropédica, estava tudo armado. Foi tudo feito as escuras, prática moralmente indefensável.

Trazer lixo do centro para a periferia é uma prática perversa. Logo é imoral. Aceitar o CTR em Seropédica significa dizer sim a velha e perversa visão de relações entre Centro e Periferia. No centro ficam as coisas boas, na periferia as mazelas. Está na hora da cidade do Rio de Janeiro assumir os custos e desafios de cuidar do próprio lixo. Quem quer fazer apologias a "cultura do Mega", isto é, megacidades, megaeventos, etc, que dê conta do megadesafio de gerenciar os prós e contras dessa cultura. Desenvolver atividades para tratar de lixo implica em custos ambientais, econômicos e sociais que devem ser incorridos e debatidos no seio da sociedade que produz esse lixo. A cidade do Rio de Janeiro fica com a beleza do consumo, Seropédica fica com a feiura do lixo. É imoral.

Seropédica tem muitos problemas, inclusive o de ter partes da cidade que são tratadas como centros e outras que são tratadas como periferias. Temos que cuidar dos nossos problemas, não dos megaproblemas dos outros que querem continuar a desfrutar dos seus megainteresses. Temos que debater os nossos desafios, buscar soluções tecnicamente e moralmente defensáveis. Estamos na periferia, mas não devemos aceitar facilmente essa condição.

Um comentário:

  1. Achei uma ótima idéia a criação deste Blog, que aborda um assunto polêmico e também a total falta de responsabilidade de Gestores que mostram-se desprovidos da sensibilidade para tratar de assunto de tamanha seriedade.
    Como sugestão, gostaria de deixar uma: bem que poderiam instalar o CTR na Barra ou no Recreio.
    "Lixo" nos olhos dos outros é refresco!

    David.

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